quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O Fantasma da Casa de Pedra

Sombras rondam uma memória. Elas percebem momentos de fraqueza, minutos de silêncio, pensamentos perdidos e atacam com força. Fazem lembrar locais e pessoas que não deveriam ser inesquecíveis. É extremamente dolorido ver a imagem da Casa de Pedra quase destruída no vidro da janela do ônibus, aqueles mesmos rostos frente a frente, aquelas mesmas frases de tanto tempo atrás. O quê? Aquilo faz parte do passado, quem dera que fosse uma vida anterior. De certa forma, até era. Antes daquela tarde tudo era felicidade na Casa de Pedra e o futuro era muito fácil de imaginar e desenhar.

A Casa é onde mora a sentimentalidade do mais rochoso ser humano. Talvez por isso, tenha esse nome: Casa de Pedra. As plantas e seus aromas, os animais domésticos criados como se fossem silvestres, o acesso simples e rústico, os bancos de madeira, as copas das gimnospermas dando formas dadaístas aos raios de sol, tudo ainda estava lá. Mas as sombras também não haviam dado trégua. Permaneciam cumprindo o seu papel de assombrar no que se pode chamar, com toda certeza, de “presença de espírito”.

Como únicos registros do que se passa na Casa de Pedra, há relatos dos vizinhos. Os irmãos Puhlmann dizem que pouquíssimos moraram lá. – Até hoje só duas pessoas alugaram a Casa em épocas diferentes. O proprietário não gostava muito das mudanças, desarrumavam muito a Casa e pra pôr em ordem uma Casa desse tamanho não deve ser fácil. – disse um deles respirando ofegante. O outro completou: – Nessa Casa, eu não entro. Sempre que alguém a deixa, a voz fica ecoando por muito tempo, como uma assombração.

Ou como um Fantasma. Só uma voz ainda ecoa na Casa de Pedra, baixinha, meio rouca, mas que incomoda e quase assusta. Esse som vem sempre acompanhado de imagens, mimeticamente reproduzidas como se houvesse ali o holograma de uma vida. E havia mais do que isso. Eram duas vidas que pareciam andar paralelamente em linhas tão próximas que podiam dar-se as mãos. Até que numa tarde, o contrato de aluguel foi rompido, unilateralmente, enterrando sonhos, planos, aqueles rostos frente a frente, aquelas frases de tanto tempo e exumando a sombra mais ruidosa que já se teve notícia: o Fantasma da Casa de Pedra.

Por muito tempo, o dono da Casa foi assombrado. Nas esquinas, ruas e becos, enxergava vultos, sentia cheiros inconfundíveis e ouvia vozes. Até as janelas dos ônibus refletiam as melhores cenas de um passado que virou ruínas. Hoje, o Fantasma não aparece mais. Mas, de forma paradoxal, reside em uma tela pintada pelo destino e que mistura o surreal com o impressionismo. A obra, é claro, não tem molduras, dando total liberdade à sombra para voejar e a cada dia futuro surpreender com ecos que não voltam mais.

Mas isso é passado. A Casa é de Pedra, é forte, é grande e, mesmo assim, nem sempre pode deter aqueles que falseiam intenções de moradia. Residentes perenes são os anões de jardim, as flores, seus aromas, os banquinhos, as gimnospermas, o acesso simples que merece registrar suas memórias num futuro próximo. Todos seriam testemunhas, mas estão proibidos de falar. Quem sabe mais adiante? Quando houver novas histórias e o mais recente adereço sair da porta: uma plaquinha, onde está escrito “Aluga-se”.

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