segunda-feira, 28 de maio de 2012

O coração, a aposta e o salário dos servidores públicos


"O coração tem razões que a própria razão desconhece." Esta é a frase mais famosa do filósofo, físico, matemático e teólogo francês Blaise Pascal. Ele também é o autor da Aposta de Pascal, uma sequência de argumentos favoráveis à existência de um Deus cristão, que diz mais ou menos o seguinte: "Se Deus existir e você acreditar Nele, ganhará o Paraíso. Se Ele não existir, não ganhará nem perderá nada. Mas se você não acreditar e Ele existir, então você queimará no fogo do inferno. Logo, vale a pena 'apostar' na existência de Deus."


Esta argumentação filosófica é definida como "falso dilema", pois só apresenta duas possibilidades possíveis: a existência ou não do Deus cristão, com chance de acerto de 50%. Jamais, Pascal admite a existência de algum outro Deus catalogado na gama de religiões praticadas no mundo ou de alguma outra divindade suprema que o homem desconheça. A intenção clara do filósofo é persuadir as pessoas a crerem no "Deus certo", no caso, o Deus dele.


O falso dilema é muito usado nas nossas discussões diárias, com o objetivo de confundir o outro e fazê-lo aceitar o nosso argumento, dizendo coisas do tipo: "São oito ou 80"; "É agora ou nunca"; "Ou você vai para o céu ou vai para o inferno".


Chegamos a uma época em que as informações estão disponíveis de tantos modos, que podemos checar, em instantes, a veracidade de qualquer coisa que nos seja dita. A Lei de Acesso à Informação é mais um passo firme a caminho da transparência no Brasil e um golpe que machuca muito quem vive de privatizar o que é público. Agora não há dúvidas: a qualquer momento, você pode solicitar a sua prefeitura, governo estadual, federal ou qualquer outro órgão público, quanto foi gasto em saúde, em educação, nas obras da Copa, quantos funcionários são contratados por concurso público ou terceirizados, etc.


Lei de Acesso à Informação entrou em vigor em 16 de maio deste ano.
Reprodução: http://www.acessoainformacao.gov.br/


No entanto, uma questão que monopoliza boa parte da mídia e não tem repercussão espontânea correspondente na opinião pública é a divulgação nominal dos salários dos servidores públicos. Virou uma nova bandeira nacional nos sites e jornais com a seguinte inscrição: "Este é um mito a ser derrubado" ou "Se não divulgar os salários nome-a-nome, haverá apenas meia transparência". 


Doutores argumentam que o patrão (povo) tem o direito de saber quanto o funcionário (servidor público) ganha. Se essa regra for seguida à risca no serviço público, além do salário haveria de se divulgar também o endereço de cada servidor, afinal o patrão tem o direito de saber onde o funcionário mora. Também seria divulgado, por esta lógica, que horas o servidor sai e chega em casa, afinal o patrão precisa saber se o funcionário está cumprindo sua carga horária. O problema dessa tese é que as cidades com maior número de servidores públicos são as capitais. Elas possuem sérios problemas de segurança pública, onde o sequestro-relâmpago é um dos crimes que mais cresce. Não é difícil prever que esta lista nominal de salários interessaria bastante aos criminosos e seria logo chamada de "cardápio dos sequestradores", garantindo vítimas em potencial para o ano inteiro.


A discussão se torna um falso dilema imposto à sociedade quando diz que se o órgão divulga nominalmente o salário dos servidores, logo ele é transparente; caso contrário, é porque ainda não evoluiu a este ponto. Vamos fazer um teste prático. Acesse agora os links abaixo e veja com seus próprios olhos as listas completas de servidores e de salários do Senado Federal:


(clique, leia com calma e volte em seguida)
Lista de servidores: http://www.senado.gov.br/transparencia/secrh/LAI/todos_pdf.pdf
Lista de remuneração (páginas 9, 10 e 11): http://www.senado.gov.br/transparencia/SECrh/QuadroPessoal_e_EstruturaRemuneratoria.pdf
Espaço para o cidadão requerer informações no Senado Federal.
Reprodução: http://www.senado.gov.br/transparencia/formtransp.asp 


Se você, cidadão que paga os seus impostos em dia e contribui para um Brasil melhor, acha que essas informações são suficientes, então pensamos igual, pois percebemos que há formas de se exercer plenamente a transparência sem expor qualquer indivíduo a um perigo desnecessário. Caso contrário, se você ainda acha pouco, tudo bem, apenas não caia nesta nova Aposta de Pascal.


O Brasil tem problemas que a própria população desconhece. Porém, as informações mais importantes para cada brasileiro não estão nos contracheques dos servidores públicos.

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